Exemplos da Pagina 5
Cada exemplo corresponde a uma obra diferente citada no módulo e serve como modelo pedagógico para o aluno entender como executar o exercício, não como texto a ser imitado literalmente.
O foco é sempre o mesmo:
👉 nada acontece externamente, algo muda internamente.
📝 EXEMPLO 1
Base estrutural: Memórias Póstumas de Brás Cubas
Situação: observação banal
Mudança: consciência tardia
Passei a tarde observando o movimento da rua, não por interesse nos transeuntes, mas por falta de melhor ocupação. As pessoas iam e vinham com a urgência própria dos vivos, essa pressa que supõe sempre algum destino relevante.
Em certo momento, notei um homem que parou diante de uma vitrine. Ajustou o chapéu, alisou o paletó e seguiu adiante, satisfeito com a própria imagem. Não o conhecia, nem ele a mim, e ainda assim senti uma estranha familiaridade.
Foi então que me ocorreu, com a naturalidade das constatações tardias, que também eu passara a vida inteira ensaiando gestos para plateias que nunca se detiveram. Não por vaidade excessiva, mas por acreditar que ser visto equivalia a existir.
A rua continuou a mesma. O homem desapareceu na esquina. Eu permaneci onde estava. Mas a ideia persistiu, incômoda e clara: talvez minha maior ambição tenha sido parecer importante, não sê-lo.
Nada mais aconteceu naquela tarde. Ainda assim, não a considero inútil.
🔎 O que muda:
O narrador não se arrepende, não se redime — ele compreende.
Isso basta.
📝 EXEMPLO 2
Base estrutural: Dom Casmurro
Situação: lembrança cotidiana
Mudança: dúvida silenciosa
Recordei-me de uma conversa antiga enquanto organizava papéis que já não tinham serventia. Não era uma lembrança especial, dessas que se anunciam com emoção. Pelo contrário: tratava-se de uma troca de palavras simples, quase esquecível.
Eu afirmara algo com convicção. Ela ouvira em silêncio, com aquele leve sorriso que sempre me parecera sinal de concordância. Na época, não duvidei. O sorriso bastava.
Ao revisitar a cena, contudo, percebi um detalhe que me escapara: o silêncio prolongado antes da resposta. Não fora descuido. Fora escolha.
Perguntei-me, então, se naquele instante eu realmente ouvira o que fora dito, ou apenas o que desejava escutar. A diferença é pequena na forma, mas decisiva no efeito.
Continuei a separar os papéis. A conversa permaneceu no passado. Mas, desde então, já não confio plenamente na tranquilidade das minhas certezas antigas.
🔎 O que muda:
Não há prova, apenas instala-se a dúvida.
Machado ensina que isso já é conflito suficiente.
📝 EXEMPLO 3
Base estrutural: Quincas Borba
Situação: reflexão comum
Mudança: deslocamento moral
Sempre considerei minhas ações razoáveis. Não boas, necessariamente, mas justificáveis. A vida, afinal, exige concessões, e eu aprendera cedo a aceitá-las como naturais.
Ao ouvir, naquela manhã, a história de um conhecido que perdera tudo, senti o impulso imediato de lamentar sua falta de prudência. Julguei-o apressado, pouco atento às oportunidades corretas.
Mais tarde, ao repetir o episódio mentalmente, ocorreu-me que eu próprio jamais arriscara coisa alguma. Minhas perdas eram pequenas porque meus desejos sempre foram cautelosos.
Pela primeira vez, perguntei-me se minha sensatez não passava de uma forma educada de covardia. A ideia não me agradou, mas também não se dissipou.
Segui o dia com a mesma compostura de sempre. Apenas compreendi que minha tranquilidade talvez tivesse sido comprada ao preço de nunca ousar verdadeiramente.
🔎 O que muda:
O personagem não muda de comportamento — muda o julgamento que faz de si.
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