DA CENA COMUM AO CONFLITO NARRATIVO

Toda narrativa começa por uma cena simples. Um encontro, um gesto cotidiano, uma conversa trivial. O erro do iniciante é supor que o interesse do leitor nasce do fato extraordinário. O escritor experiente sabe que o interesse nasce do conflito, ainda que discreto, contido, quase silencioso.

Conflito não é sinônimo de briga. É tensão. É oposição de vontades, de expectativas ou de sentidos. Uma cena sem conflito é apenas descrição; uma cena com conflito, ainda que mínimo, já é narrativa.

Transformar o comum em significativo é tarefa essencial do ofício.

Observação

Observe cenas corriqueiras da vida diária: alguém aguardando um ônibus, uma refeição em família, uma porta que não se abre. Em si mesmas, nada têm de notável. Tornam-se narrativas quando o autor introduz um obstáculo, uma dúvida, uma intenção contrariada. O conflito pode estar no ambiente, no outro personagem ou, com frequência, no próprio pensamento de quem observa.

  • Pergunte sempre: o que este personagem quer agora?
  • Em seguida: o que o impede de conseguir?

A resposta a essas duas perguntas já estabelece um conflito.

Exemplo

Cena comum:

— Um homem entra em uma sala vazia.

Cena com conflito:

— O homem entra na sala esperando encontrar alguém, mas a sala está vazia, e o silêncio confirma o atraso que ele temia.

O espaço é o mesmo. A ação é a mesma. O conflito nasce da expectativa frustrada.

Prática — Exercício 4

Escolha uma das situações abaixo ou crie outra semelhante:

  • alguém chega atrasado a um compromisso;
  • duas pessoas sentam-se à mesa para conversar;
  • um personagem observa a rua pela janela.

1. Escreva a cena de forma neutra, apenas descrevendo o que acontece.

2. Reescreva a mesma cena introduzindo um conflito claro, ainda que simples.

3. Evite explicações diretas. Mostre o conflito por meio de ações, escolhas ou pensamentos breves.

Ao final, compare as duas versões. Observe como a introdução do conflito altera o ritmo, o interesse e o sentido da cena.

O domínio da narrativa não está em multiplicar acontecimentos, mas em atribuir peso ao que acontece. O escritor que aprende a criar conflito a partir do comum não depende do extraordinário. Faz da vida ordinária matéria suficiente para contar boas histórias.

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